segunda-feira, 6 de abril de 2009

Entrevistas com filósofos contemporâneos: Hilary Putnam

Pessoalmente, gosto de ler entrevistas. Nela, geralmente, os autores fogem de seus jargões mais técnicos e por vezes fica mais fácil entender o que querem. Por isso resolvi postar no blog uma série de entrevistas com filósofos contemporanêos. Nenhuma delas foi feita por mim. Todas foram retiradas da net. A intenção é juntá-las nesse lugar e servir de meio para divulgar questões atuais que tornam a filosofia mais instigante.

Quando fazia graduação não tive contato com filósofos contemporâneos: eles ficavam sempre distantes, como que nublados por uma nuvem de erudição que só seria possivel dissipar depois de anos de estudo. Isso é um erro grande. Se não começarmos a ler os contemporâneos e debate-los, nós é que ficaremos perdidos na neblina da História...
Sentido do Limite Humano
Entrevista com HILARY PUTNAM

Para mim a religião significa justamente refletir sobre o sentido do limite humano. [...] Penso que o homem é o pior deus que existe.

por Giovonna Borradori

Giovonna Borradori: Em relação a outros filósofos americanos contemporâneos, o senhor parece mostrar mais animosidade em relação à corrente de inspiração analítica, embora o senhor mesmo tenha sido um pensador analítico por um bom número de anos. Como assim?
Hilary Putnam: Minha formação, como penso ser a de todos os jovens filósofos no pós-guerra, baseou-se naquilo que era preciso absolutamente ignorar enquanto não-filosofia. Fomos educados a rejeitar os textos e os autores, mais do que a nos deixar apaixonar. Creio que seja uma tendência erradíssima, que deveria ser eliminada de qualquer escola, movimento ou departamento de filosofia.

GB: Quase uma formo de censura, portanto. Quais eram os autores proibidos?
HP: Lembro-me de ter adorado Kierkegaard, que era considerado uma espécie de poeta. Depois de Kierkegaard, foi Marx que me acompanhou por longo tempo na vida. Porém, sempre com um sentido de estranheza, porque me fora ensinado que também Marx não era verdadeiro filósofo, e sim um teórico da sociedade. Freud era um psicólogo e seu pensamento não revestia temáticas filosóficas, e assim por diante. Durante a graduação e a assistência, que são os períodos em que se desenvolve a maior parte da formação, meus interesses se restringiram, como que coagulados dentro de estreitos limites, os delimitados pela filosofia analítica. Eu tinha mais de quarenta anos quando consegui me libertar…

GB: Entre os filósofos pós-analíticos, o senhor é talvez o único que desenvolveu um forte interesse teológico, orientado para a recuperação da tradição hebraica. Como aconteceu que um lógico de formação, como o senhor, a certo momento recuperou a centralidade de Deus, do misticismo e da interpretação do texto sagrado?
HP: Creio que a única coisa que pode tornar uma pessoa religiosa é a experiência interior. Não tem sentido converter os outros. Acho que ser religioso seja muito bem compatível com uma forma de ceticismo em relação à revelação. O fato de que na tradição hebraica e cristã haja textos inspirados, santos, que encerram algo de inexplicável, não significa que não sejam também produtos humanos. No século XVIII, a humanidade ficou perturbada com a idéia de ler a Bíblia como um produto humano. A Bíblia não é um manual para a sociedade perfeita. Ela simplesmente pintava uma sociedade melhor do que a que os hebreus tinham diante dos olhos, no Egito ou na Babilônia, ou também na Grécia e em Roma. Dizia para tratar os escravos melhor do que eram tratados naquele tempo, mas não intimava a não tê-los. E depois o preconceito contra os homossexuais: é errado, ponto final.

O sentido do sagrado é uma coisa muito importante, mas não necessariamente boa. Por essa razão, no século passado começou-se a dizer: é preciso deixar de crer no sagrado. Nem cem anos mais tarde, houve dois terríveis ditadores, ambos ateus: Stalin e Hitler.

GB: Não se trato, portanto, exatamente de religião. Seu hebraísmo é alguma coisa um pouco diferente…
HP: Sim, creio que religião seja uma palavra imprópria. Minha ligação com a tradição hebraica representa um sentido do limite. É quase um clichê citar o Talmud, mas ainda me agrada fazê-lo. Diz mais ou menos: não depende de nós ultimar a tarefa, mas também não estamos livres de carregar seu fardo. Para mim a razão significa justamente refletir sobre o sentido do limite humano. O problema do humanismo, como se desenvolveu a partir de Feuerbach, significou a deificação do homem. Não vejo nada neste século que me faça desejar deificar o homem. Como Ben Schwartz, penso que o homem é o pior deus que existe. [In: BORRADORI, G. Conversações americanas. Apud: REALE, G.; ANTISERI, A. História da filosofia, v. 7: De Freud à atualidade. São Paulo: Paulus, 2006. p. 229-30.]

Fonte:http://edsongil.wordpress.com/2008/09/18/sentido-do-limite-humano/

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