terça-feira, 16 de junho de 2009

Cadê?


Se houvesse uma lembrança em comum, talvez fosse mais fácil esquecer o talvez e o passado pudesse ser fixado como um desses objetos indiferentes que deixamos fazer parte da decoração por um capricho que para ninguém parece ter sentido. Mas, tal objeto, redescoberto de tempos em tempos, nos faz encontrar com um eu que já não somos, com os sonhos que já não temos despertos, e não podem deixar de fazer parte de nosso museu interior. Sem tal presença em que se fixar, a memória se dispersa e deixa de se deter em algo para constituir um hábito. É este o meu caminhar pelas ruas de Copacabana. Dia de sol por aqui, é inverno, mas faz pouca diferença, o clima é quente e os turistas fazem parte da paisagem. Bem diferente, nesse sentido, da névoa fina e branca das manhãs de Jataí. Uma bruma que cobre a cidade, trazendo frio e orvalho, provavelmente também constipando as árvores, que ficam com suas formas tortas, sendo o cerrado tão amigo do fogo e tão esquivo a apresentar-se com a imaginária “grandeza” tropical. Dante pensava que os suicidas se tornavam árvores, isso explica o cemitério de angústia retorcida que molda essa paisagem em seu estado natural. Contudo, a bruma branca dessas manhas de neblina, traz algo de novo, que talvez não seja mais do que os casacos e blusas de frio com os quais as pessoas modificavam sua aparência cotidiana. E aí dizem: “no frio as pessoas ficam mais bonitas”. A beleza está mais na quebra do hábito. O vapor que sai das bocas, convida a que se sopre as mãos, a que se invente palavras, e, involuntariamente, multiplicam-se os desejos de ‘bom dia’, e essa série de saudações que seriam como o tocar de antenas de formigas, indiferentes quanto ao destino umas das outras, se essa não fosse Jataí, cidade pequena, onde o olhar ainda petrifica. Falar do tempo também parece ser mais justificado nesses contextos para se puxar assunto. O não fazer nada surge mais justificado para os comumente desocupados que percebem na ação da neblina uma desculpa para não quebrar a harmonia da natureza, inventando coisas para fazer, quando ela mesma oferece o espetáculo de sua mutação. Um nada fazer que refaz. Ao perceber a mudança no clima e o calor do próprio corpo: faz-se muito bem em estar vivo e quentinho enrolado em cobertas.
Olho para o chão. O branco da neblina se espalha pela calçada materializando-se como areia. O ‘bom dia’ que recebo é de alguém que não conheço e que me convida para tirar foto junto uma grande escultura de areia, que representa uma mulher de curvas abundantes, deitada de costas tendo como biquíni improvisado um saco plástico. Esse é um bom dia que traz o “se” não do talvez, mas do impessoal: se cumprimenta como se ninguém fosse complementado, gesto automático de cortesia e calor tropical, macumba pra turista e eu que (não) sou estrangeiro, desconfio desta alegria. Mas a cidade é tão bonita e se multiplicam canções que lhe inventam sentidos. Porém estes hoje não me bastam: me assombra o pensamento uma ausência. Esse tipo de falta que se traduz em uma angústia pequena é o combustível deste caminhar. Cadê? Não havia uma memória comum para relembrar, só uma promessa pálida como a bruma de minha esperança que se materializava ali na areia. Toda a areia branca de copacabana era sua presença negada e projetada. O que diria seu olhar disso tudo. Que sentido novo eu inventaria para ele. Que sentido novo a paisagem teria para mim com ele. Esse olhar que redime e inventa beleza. A arte deve brotar de algo como isso. Meu olhar sozinho não salva as esculturas de bunda de copacabana.
Quiça uma bunda me salve; passa andando na direção contrária a minha uma menina linda. Devo olhar para trás e apreciar sua bunda? Olhar que petrifica e salva... um chopp com bolinho de bacalhau vai a calhar nessa hora. O chopp será o objeto de redenção!

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