sábado, 20 de novembro de 2010

Uma "coisa": Toda forma de poder

Estou escrevdno uma "coisa" que brinca com alguma coisa dos Engenheiros do Hawaii. Posto um texto a partir de Toda Forma de Poder do álbum Longe Demais das Capitais.


Toda forma de poder

... e ainda essa porra de greve agora na Faculdade. Não é que eu não saiba dos salários baixos dos professores, da situação do ensino e o escambau. É que não é você que tem 17 anos e vive nessa cidade que fica perto de coisa alguma, onde no fim de semana não há nada pra se fazer além de medir as distâncias entre as esquinas contando os passos de madrugada.
Tudo bem. O problema é comigo. Mas não entendo mesmo.  Hoje vi o tal do chefe do departamento dando entrevista na tevê. Ele mal conseguia disfarçar seu prazer com a mídia. Provavelmente deve ter contado pra toda sua família, que reunida aplaudiu seu engajamento pelo bem comum. Ainda bem que nenhum desses jornalistas teve que assistir uma de suas aulas. É um daqueles doutores que se tornaram ermitões por conta da Ditadura e agora voltaram com tudo. Esteve na luta armada parece. Uma coisa que não deixa de me impressionar. Se os generais dessem pra trás com a abertura política, será que teria coragem de pegar em armas pra lutar? Essa coisa de Ditadura é uma sombra esquisita e não consigo entender muito desse jogo de política. Ainda mais que o costume ainda é totalitário. A idéia é tomar o poder para salvar o povo! Acordar as massas adormecidas! Formar a consciência de cidadania! Enfim, se não concordamos com seu discurso é porque temos deficiência de formação, distorção burguesa, niilismo pós-moderno, ideologia reacionária... um pé no saco. Até tentei freqüentar o encontro do pessoal do partido, mas não entendi a distinção que faziam entre companheiros e camaradas, e quando perguntei sobre a diferença entre o totalitarismo de Fidel e Pinochet, já viu né! Neguinho queria sair na porrada.
Tentei prestar atenção no que eles diziam, mas parece que não conseguiam olhar para a paisagem em torno deles e o que falavam me parecia vazio. O discurso da mãe URSS e da mais-valia... e sobre as minhas espinhas nada! Nem pensavam que a coisa aqui podia ser diferente, que repetir o que os outros dizem sem questionar é cair em conversa fiada. Parece que reivindicam o impossível, pra manter o mesmo discurso. Ou tu concordas comigo, ou o que diz é absurdo! Absurdo é essa coisa toda!
O tal do diretor da faculdade era um desses ortodoxos. Se escrevesse algo sobre Roberto Venturi na prova dele era zero. E reinvindicava o aval de um filósofo alemão chamado Jürgen Habermas, que teria escrito um artigo irrefutável que fechava a questão: a pós-modernidade era o mal! É claro que não tínhamos acesso ao artigo, ou melhor, a coisa tava em alemão. Então era como uma Revelação que ele pregava, como um Profeta para a qual ninguém poderia ter dúvidas. Queria que os alunos fossem como ovelhas: “meek and obedient you follow the leader”. Questão de fé, afinal.
Nisso eu gostava mais da outra ala de professores. Um pessoal mais novo que tinha mais foco no mercado (afinal, estávamos nos formando para que?). Eram os frívolos pós-modernos que não tinham essa pompa toda. Ali na Faculdade esses professores eram a minoria oprimida. E nesse caso eu estava com a minoria que podia ser taxada de alienada.
Parece que o pessoal estava saudoso do golpe militar e justificavam sua violência pela violência que haviam sofrido. Talvez fosse mesmo isso o mais justo. Mas esse sonho de provocar a revolução pela força me parece uma grande bobagem. Não vejo argumentos para justificar um “ato heróico” que mata gente inocente em nome de causas maiores. Quem tem o direito de matar o outro? Onde essa luta por poder nos leva?
  
Na verdade a questão nem se coloca pra mim. O buraco é mais embaixo, ou melhor, sou eu que estou dentro dele. O tal do diretor do Departamento foi revolucionário naquela época e agora comandava a greve, cheio de slogans e certezas. As mesmas certezas que faziam dele um professor com um pé no século XIX. Um modernista inveterado que não conseguia enxergar o fracasso de Brasília e da tentativa dos arquitetos de comandar e definir o que seria uma boa vida. Puta que pariu, isso é um pé no saco! 
Você planeja uma cidade sem esquinas, sem desigualdade, mas não pensa nas pessoas que irão construir ela. O resultado era essa coisa que chamam Brasília. Na teoria uma perfeição, que não suportou um pouquinho de luz do sol. Se eu pegar o papel agora pra desenhar sei bem o que vai ser esse ideal: o rosto dela. Ao invés de planejar uma cidade perfeita, o que me interessa é conquistar aquela menina. Poxa, conquistar! Ta aí minha luta por poder! Mas deixa assim. Se realmente começasse uma revolução, ou uma guerra nuclear, ou uma peste devastadora, ou se essa menina ligasse pra mim de repente, de bobeira nesta tarde, um sábado de tédio... eu ia esquecer todos os meus planos, todas as teorias. Ia ter que inventar o que fazer e improvisar minha própria vida neste aqui e agora. É difícil esquecer ou entender o que eu to dizendo? Faz o que tu quiseres então... vou perder as férias mesmo.

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