sexta-feira, 15 de abril de 2011

Flusser, fotógrafos não são trabalhadores?

"Embora fotógrafos não trabalhem, agem. Este tipo de atividade sempre existiu. O fotógrafo produz símbolos, manipula-os e os armazena. Escritores, pintores, contadores, administradores sempre fizeram o mesmo. O resultado deste tipo de atividade são mensagens: livros, quadros, contas, projetos. Não servem para serem consumidos, mas para informarem: serem lidos, contemplados, analisados e levados em conta nas decisões futuras. Estas pessoas não são trabalhadores, mas informadores. Pois atualmente a atividade de produzir, manipular e armazenar símbolos (atividade que não é trabalho no sentido tradicional) vai sendo exercida por aparelhos. E tal atividade vai dominando, programando e controlando todo trabalho no sentido tradicional do termo. A maioria da sociedade está empenhada nos aparelhos dominadores, programadores e controladores. Outrora, antes que aparelhos, fossem inventados, a atividade deste tipo se chamava “terciária”, já que não dominava. Atualmente, ocupa o centro da cena. Querer definir aparelhos é querer elaborar categorias apropriadas à cultura pós-industrial que está surgindo. Se considerarmos o aparelho fotográfico sob tal prisma, constataremos que o 'estar programado' é que o caracteriza. As superfícies simbólicas que produz estão, de alguma forma, inscritas previamente (“programadas”, “pré-escritas”) por aqueles que o produziram. As fotografias são realizações de algumas das potencialidades inscritas no aparelho. O número de potencialidades é grande, mas limitado: é a soma de todas as fotografias fotografáveis por este aparelho. A cada fotografia realizada, diminui o número de potencialidades, aumentando o número de realizações: o programa vai se esgotando e o universo fotográfico vai se realizando.O fotógrafo age em prol do esgotamento do programa e em prol da realização do universo fotográfico. Já que o programa é muito “rico”, o fotógrafo se esforça por descobrir potencialidades ignoradas. O fotógrafo manipula o aparelho, o apalpa, olha para dentro e através dele, afim de descobrir sempre novas potencialidades. Seu interesse está concentrado no aparelho e o mundo lá fora só interessa em função do programa. Não está empenhado em modificar o mundo, mas em obrigar o aparelho a revelar suas potencialidades. O fotógrafo não trabalha com o aparelho, mas brinca com ele. Sua atividade evoca a do enxadrista: este também procura lance “novo”, a fim de realizar uma das virtualidades ocultas no programa do jogo. E tal comparação facilita a definição que tentamos formular. Aparelho é brinquedo e não instrumento no sentido tradicional. E o homem que o manipula não é trabalhador, mas jogador: não mais homo faber, mas homo ludens. E tal homem não brincaco m seu brinquedo, masc o ntra ele. Procura esgotar-lhe o programa. Por assim dizer: penetra o aparelho a fim de descobrir-lhe as manhas. De maneira que o “funcionário” não se encontra cercado de instrumentos (como o artesão pré-industrial), nem está submisso à máquina (como o proletário industrial), mas encontra-se no interior do aparelho. Trata-se de função nova, na qual o homem não é constante nem variável, mas está indelevelmente amalgamado ao aparelho. Em toda função aparelhística , funcionário e aparelho se confundem". (Vilém Flusser - Filosofia da Caixa preta)
Bom, entendo que o fotógrafo fica limitado pela câmera fotográfica, e que ele joga o jogo da câmera e obedecendo fielmente as condições, mas não concordo quando Flusser fala que o fotógrafo não é um trabalhor (Pois atualmente a atividade de produzir, manipular e armazenar símbolos (atividade que não é trabalho no sentido tradicional) vai sendo exercida por aparelhos, diz Flusser). É um trabalhador como qualquer um, trabalha, produz, cria e tem lucro de caixa, ou seja, é um trabalhador sim. Entrei até em discussão com o meu professor de Teoria da imagem, ele disse que Flusser quando fala isso, não quer falar mal do fotógrafo. Eu adorava Flusser, até chegar nesse parte. Só se eu não entendi, mas é incoerente se ele supostamente estiver falando bem da profissão de fotógrafo. Tinha algum tempo que queria discutir esse assunto aqui, e esse dia chegou! Concordam comigo que foi errado o que Flusser disse?

3 comentários:

  1. Acho que o Flusser faz um tremendo elogio à fotografia nesse texto. Quando ele fala em trabalhador, o faz tomando por base o conceito tradicional de trabalho, com um operário em uma fábrica que não tem que pensar em nada, mas apenas executar sua função.
    O que ele fala é que a fotografia se aproxima de uma coisa lúdica, de um jogo entre o fotógrafo, a máquina e a realidade (realidade, no caso, os objetos e as luzes que esses objetos produzem/refletem e que serão registradas pela câmera). É um caminho para dizer que a fotografia se aproxima da arte.
    Penso que, nesse sentido, poderemos classificar da mesma forma muitas outras atividades que não se encaixam como trabalhador tradicional e que surgem com a revolução da informática, tais como produtores de conteúdo para a web (sejam os que produzem o design ou os que produzem o conteúdo propriamente dito) e os programadores de computador.

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  2. Foi exatamente dessa forma que o professor me explicou. Ele fala bem sim da fotografia. Mas não fala bem do fotógrafo.

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  3. O Flusser não está criticando o fotógrafo. Ele está falando é da transformação que a atividade fotográfica vem sofrendo nos últimos tempos. Ela não era considerada trabalho de acordo com as definições tradicionais de trabalho, mas hoje em dia essa atividade está dominando o trabalho tradicional. É isso o que ele está tentando enfatizar.

    Cláudia
    http://umatalvezclaudia.blogspot.com

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