sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Em terra de cego...

Não li todo o livro “Ensaio sobre a cegueira”, mas o pouco que pude apreciar, quase sem fôlego, foi muito intenso. A narrativa de José Saramago é original e intrigante. Ele nos leva de modo despretensioso, mas genial, a mergulhar nos sentimentos dos personagens. A história vai fluindo de maneira tão prazerosa que, quando a gente vê, já terminou um capítulo. Pois bem, só li o primeiro deles e penso em comprar o livro. Mas pude conferir o resto da história na obra prima de Fernando Meirelles.



O filme é uma produção a parte, uma mídia a parte, e assim deve ser analisado. De certa forma achei melhor não ter lido todo o livro antes, para não fazer comentários apenas na base do “isso ficou diferente, aquilo ficou igual, este outro não tem nada a ver”. Penso que uma adaptação tem de ser fiel ao original, mas também precisa chamar atenção aos seus próprios méritos. E Meirelles faz isso de maneira esplêndida.

O primeiro ato do filme apresenta a catastrófica epidemia de cegueira. Mas não uma cegueira comum. Essa em questão é branca e perturba muito mais. A fotografia empregada à película é iluminada ao extremo neste ato, fazendo com que o telespectador sinta na pele o drama dos personagens. Ela vai se abrandando no decorrer do filme, mas sem deixar escapar a oportunidade de “cegar” quem assiste.

Não há nomes, nem origens. Mas isso não impede uma aproximação ou identificação com os personagens. Sentimos pena dos que sofrem com a situação, ódio pelos que se aproveitam da cegueira alheia, e aflição pela única pessoa que consegue ver a decadência do caráter humano.

Juliane Moore é o que devia ser: a estrela da película. Confesso que sabia de seu talento, mas nunca tinha dado muita atenção à atriz. Mas ela consegue atrair todos os holofotes para si, através de uma interpretação quase que impecável. Seu olhar cansado transfere a sensação do peso e angústia por ter de ver o que ninguém mais pode.

A história é claramente uma alegoria aos valores humanos, ou a falta deles. Por isso mesmo foi escolhida uma cegueira branca, diferente da habitual e, com certeza, simbólica.

O único ponto negativo que consegui perceber no filme foi a trilha sonora. Não que ela tenha sido ruim, mas foi comedida demais. Em dramas como esse, esperamos um bom arranjo sonoro que identifique melhor a trama. Neste caso, a trilha não atrapalhou nem acrescentou.

O filme de Meirelles é, sem dúvida alguma, único. Mas como eu li pelo menos um capítulo da história original, devo dizer que em poucas páginas pude perceber que José Saramago é muito mais intenso e avassalador no que condiz à descrição dos sentimentos e situações. Mas sua obra não é, como muitos disseram, inadaptável. Fernando Meirelles não superou Saramago, até porque este não era seu objetivo, mas conseguiu levar às telas a mais interessante história que já vi sobre o declínio da estirpe humana.


Nenhum comentário:

Postar um comentário