quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O pragmatismo de Obama

Barack Obama assumiu o governo dos Estados Unidos com um desafio enorme pela frente: diante da crise econômica seu país precisa se reconstruir, se reinventar, para continuar ocupando posição hegemônica na política global. Se o século XX pode ser chamado de “século americano” e teve em sua última década a promessa de uma Nova Ordem Mundial onde a democracia liberal seria o único destino e a questão estaria em “criar blocos” para dividir o bolo, cantando a promessa iluminada de Paz Pérpetua... bastaram menos de uma década de um novo século para que a incerteza ocupasse o lugar das respostas “lógicas”. A razão precisa dar lugar a imaginação para que esta “velha ordem” possa preservar o que nela é útil e exemplo para formas de convivência menos destrutivas.

Essa necessidade de Utopia faz parte da chamada “religião americana das possibilidades”. A ascensão de um negro ao mais alto posto de governança global é um bom emblema deste “sonho americano” que ainda seduz. O problema esta em reconstruir não somente a imagem de um país manchado por atitudes autoritárias, mas recriá-lo, mantendo o fundamento da promessa democrática inventada pelos norte-americanos.

Como Obama poderá fazer isso? É difícil responder a essa questão, mas com certeza a força que seu nome alcançou se liga a promessa de uma perspectiva global de responsabilidade dos norte-americanos que supere as divisões e ressentimentos.

Na letra de Americanos (canção que apareceu ao vivo junto com Black or White de Michael Jackson), canção do início da década de noventa, Caetano Veloso tentou comparar as diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos (coisa que também fez na época em outras canções e artigos, destacando que a dimensão de Utopia seria necessária para se pensar estes não-lugares que precisam se inventar). A letra desta canção diz a certo ponto que:

“Para os americanos branco é branco, preto é preto (E a mulata não é a tal)

Bicha é bicha, macho é macho,

Mulher é mulher e dinheiro é dinheiro

E assim ganham-se, barganham-se, perdem-se

Concedem-se, conquistam-se direitos

Enquanto aqui embaixo a indefinição é o regime

E dançamos com uma graça cujo segredo

nem eu mesmo sei

Entre a delícia e a desgraça

Entre o monstruoso e o sublime”

Enquanto as divisões são destacadas nos Estados Unidos de modo explícito, a segregação e a impessoalidade das relações fazem com que os grupos de interesse comuns se unam e lutam por direitos. Conquanto no Brasil, onde as relações pessoais perpassam tudo, a indefinição traz junto a indiferença e faz com que os direitos pareçam emanar dos “podres poderes” de “ridículos tiranos”. Na mesma letra Caetano profetizava que os “Americanos sentem que algo se perdeu/ Algo se quebrou, esta se quebrando”.

Caetano não se deixava seduzir pela promessa de “Fim da História”, do papo da Nova Ordem Mundial do Bush pai que prometia um período inconteste de hegemonia norte-americana. Nesse sentido, compartilha uma percepção comum ao filósofo Slavoj Zizek, para quem a idéia de ausência de alternativas seria a grande ideologia contemporânea. Esta idéia leva a um fim da conversação, a uma reificação de significados últimos, que se tornam, então, imposição da/pela força de uma forma de vida. Esse tipo de postura acentuou-se no modo como George W. Bush decretou sua “Guerra ao terror” promovendo, algo que pode ser comparado a um “terrorismo de Estado” auto-indulgente, a luta pela emancipação universal.

Obama se proclama pragmatista, termo que no Brasil é tomado em sentido pejorativo por mera ignorância e preconceito. O pragmatismo é definido pelo filósofo Simon Blackburn, em seu Dicionário Oxford de Filosofia, como sendo essencialmente a crença de que “o significado de uma doutrina é idêntico aos efeitos práticos que resultam de sua adoção”(Pág. 307). Tal postura apareceu no discurso de posse de Obama, quando ele afirmou que “A questão que perguntamos hoje não é se nosso governo é muito grande ou muito pequeno, mas se ele funciona”. A questão não é debater se a intervenção do Estado na economia é boa em si mesma, ou se ela é em si mesma ruim. Deixa-se de lado a busca por essências, por respostas últimas e passa-se a tentar solucionar problemas. O problema é como resolver nossos dilemas e fazer com que o governo funcione. Mas o que significa para Obama funcionar? Ele explica, “e ajuda as famílias a encontrar empregos com salários decentes, serviços de saúde que elas possam pagar, aposentadorias dignas. Se a resposta for positiva, seguiremos adiante. Se for negativa, programas serão cancelados. E aqueles de nós que administram o dinheiro do povo terão de mostrar responsabilidade - gastar de maneira sábia, reformar seus maus hábitos e trabalhar à luz do dia- porque só eles podem restaurar a confiança essencial entre o povo e seu governo.”

A postura de Obama tem sido chamada de pós-ideológica, tentando conciliar republicanos e democratas no objetivo de salvar a América. O problema é saber se tal discurso conseguirá contagiar o Congresso e abrir possibilidades para inventar novas soluções.


Posto a canção Black or White/Americanos de Caetano Veloso

e Fora da Ordem, do mesmo Caetano Veloso:


Um comentário:

  1. É interessante a "virada" que o Obama causa nos EUA. As eleições por lá foram até injustas: foi um candidato do século XX contra outro do século XXI. Acho que a grande diferença do Obama na campanha foi (e ele se propõe a continuar fazendo isso no governo) utilizar a internet como ferramenta de comunicação e democratização, dando mais voz ao povo. Veremos até onde isso "funciona"...

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