sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Irreligião - Capítulo 4

Essas traduções tem mesmo me feito melhorar muito o meu inglês. No primeiro capítulo eu demorava muito mais em cada parágrafo e agora a coisa fui bem mais. Tanto é que já estou trazendo o quarto capítulo!

Para ilustrar, mais uma tirinha do Um Sábado Qualquer:

    Parte I: Quatro Argumentos Clássicos

  1. O argumento da Causa Primeira (e intermediários desnecessários)
  2. O argumento do Design (e alguns cálculos criacionistas)
  3. Uma pseudociência pessoalmente elaborada
  4. O argumento do Princípio Antrópico (e um Apocalipse Probabilístico)
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O argumento do Princípio Antrópico (e um Apocalipse Probabilístico)

Tudo no mundo parece ser feito para nós. Essa é uma ideia resistente, como evidencia a frase de Voltaire: “Observe, por exemplo, que o nariz é formado para os óculos”. Claramente, alguma coisa deve explicar esse “encaixe”. De forma mais atual e precisa, a ideia se torna o princípio antrópico, que diz que as constantes físicas básicas do universo são “finamente sintonizadas” para permitir que existamos e se não fossem tão precisamente sintonizadas, nós não estaríamos aqui para observá-las. Isso leva a uma versão mais cientificamente sofisticada do argumento do design, com Deus como um sintonizador encarregado:


  1. Os valores das constantes físicas, o equilíbrio entre matéria e antimatéria e várias outras leis da física são necessárias para os seres humanos existirem.
  2. Seres humanos existem
  3. A física deve ter sido finamente sintonizada para os valores constantes para possibilitar a nossa existência
  4. Portante o sintonizador, Deus, existe.

Claramente, o salto das Premissas 1 e 2 para 3 no argumento esboçado acima é um dos aspectos mais fracos desse argumento. O que segue das Premissas 1 e 2 é simplesmente que os valores das constantes são o que são. A discussão do princípio antrópico é sensível a qual dos muitos sabores – indo do vazio ao injustificado – está sendo provado. Alguns cientistas dizem que o princípio é tautológico, uma simpática maneira de dizer: “Se as coisas – as contantes, as estrelas, formas de vida – fossem diferentes, então, elas seriam diferentes.”. Eles notam que nada é explicado ao dizer que para existirmos e observar o universo, suas leis e constantes devem permitir que observadores como nós existam.

Outra resposta ao princípio antrópico é que outras formas de vida, talvez não baseadas em carbono, são possíveis e deveriam se desenvolver, fossem as constantes ou leis da física diferentes ou os intervalos de valores das constantes físicas para o surgimento da vida maiores que o princípio assume (como eles bem podem ser). Em outras palavras, se as constantes ou leis fossem diferentes, formas de vida diferentes poderiam se desenvolver, possivelmente até mesmo ao ponto onde eles devam estar discutindo a sintonia fina que permite que eles existam. Alem disso, outras respostas notam que as leis e constantes físicas podem não ser invariantes por todo o universo (nossa região, mas não outras, permitindo o desenvolvimento da vida), ou que podem existir vários universos, cada um com leis e constantes diferentes.

O físico Lee Smolin postulou um tipo de evolução de universos, onde novos universos “bebês” nascem quando buracos negros são formados em outros universos “pais”. Esses bebês universos tem constantes e leis um pouco diferentes e Smolin lançou a hipótese que um universo permitindo o aparecimento de outros buracos negros (e, então, florescendo de forma diferente) deve ter as constantes e leis físicas que o nosso universo tem. Apesar do que inicialmente parece ser uma teoria exótica, esta é, como observa Smolin, pelo menos falseável.



Menos conflituosas com a física e a metafísica especulativa duvid

osa do que o princípio antrópico é o fenômeno relacionado de auto seleção, a elaboração de inferências a partir da nossa própria existência. Uma aplicação interessante da auto seleção que tem um sentido quase religioso é o assim chamado argumento do Apocalipse.

Apocalipse, tantas maneiras de acontecer. O céu está caindo? Se sim, quando? Mesmo quando eles não tem base nenhuma, constantes relatos sobre proliferação de armas nucleares, pandemias como a gripe aviária, guerras no Oriente Médio e aquecimento global, entre outras catástrofes ambientais, revivem essas questões perenes humanas e contribuem para o sentimento de mal-estar. Assim também fez a recente passagem de um asteroide com quase cem pés de diâmetro a trinta mil milhas da Terra.

Essas histórias nos noticiários trazem para a mente de muitos cristãos (e outros) cenários apocalípticos e um monte de bobagens sobre o livro do Apocalipse (ou Gog e Magog, Armagedom, o anticristo, o retorno do Imã Oculto e assim por diante). Alguns até interpretam como sendo sinais anunciando o Arrebatamento, quando Jesus vai levá-los diretamente para o paraíso, deixando os os incrédulos para trás, como pessoas sem par no baile divino. Uma resposta a tais eventos que constitui uma “ruptura” menor com a ciência e o senso comum é um experimento filosófico abstrato recente. Desenvolvido por várias pessoas, incluindo o filósofo de Oxford, Nick Bostrom, e o físico de Princeton, J. Richard Gott, o argumento do Apocalipse (ou pelo menos uma versão dele) vai grosseiramente como:

Existe uma grande máquina de loteria na sua frente e te dizem que nela existem bolas consecutivamente numeradas, ou 10 delas ou 10000 delas. A máquina é opaca, então você não pode dizer quantas bolas estão dentro dela, mas você tem bastante certeza de que tem um monte delas. De fato, você inicialmente estima a probabilidade de terem 10000 bolas na máquina como sendo 95 por cento e de terem apenas 10 bolas de ser aproximadamente 5 por cento.

Agora, a máquina gira, você abre uma pequena porta ao lado dela e uma bola aleatoriamente selecionada rola para fora. Você vê que é uma bola com o número 8 e você coloca de volta na máquina de loteria. Você continua achando que tem apenas 5 por cento de chance de haverem apenas 10 bolas na máquina?

Dado o quão baixo o número 8 é, parece razoável pensar que as chances de serem apenas 10 bolas na máquina são muito maiores do que sua estimativa original de 5 por cento. Dadas as premissas do problema, de fato, nos podemos utilizar um pouco da matemática do chamado teorema de Bayes para concluir que sua estimativa da probabilidade de 10 bolas estarem na máquina deveria ser revisada de 5 por cento para 98 por cento. Da mesma forma, sua estimativa da probabilidade de 10000 bolas estarem nela deveria ser revisada de 95 por cento para 2 por cento.

O que isso tem a ver com o Apocalipse? Para saber, nós devemos tentar imaginar uma máquina de loteria cósmica que contem os nomes e orem de nascimento de todos os seres humanos do passado, presente e futuro. Digamos que saibamos que essa máquina contém ou 100 bilhões de nomes ou – o cenário otimista – 100 trilhões de nomes.

E como nós pegamos um humano aleatoriamente do conjunto de todos os humanos? Nós simplesmente consideramos nós mesmos, argumentamos que não há nada especial sobre nós ou sobre nosso tempo e que qualquer um de nós pode ser pensado como sendo um humano aleatoriamente selecionado do conjunto de todos os humanos do passado, presente e futuro. (Essa parte do argumento pode ser melhor desenvolvida.)

Se assumirmos que tenham existido cerca de 80 bilhões de humanos até agora (o número é simplesmente ilustrativo para facilitar a compreensão), a primeira alternativa de 100 bilhões de humanos corresponde a um fim relativamente iminente da raça humana – com apenas 20 bilhões a mais de nós a vir a existir. A segunda alternativa de 100 trilhões de humanos correspondem a um longo, longo futuro à nossa frente.

Mesmo que nós inicialmente pensemos que teremos um longo, longo futuro à nossa frente, quando nós selecionamos aleatoriamente o nome de uma pessoa da maquina e a ordem de nascimento da pessoa é apenas 80 bilhões ou por aí, nós devemos reavaliar as nossas crenças. Nós devemos reduzir drasticamente (ou pelo menos o argumento aconselha) nossas estimativas de probabilidade de longa sobrevivência, de ter 100 trilhões de nós. A razão é a mesma do exemplo das bolas de loteria: o número relativamente baixo 8 (ou 80 bilhões) sugere que não existem muitas bolas (nomes de humanos) na máquina.

Aqui vai outro exemplo um pouco diferente. Vamos assumir que Al receba cerca de 20 e-mails por dia, enquanto a média de Bob é de cerca de 2000 por dia. Alguém pega uma das contas, escolhe um e-mail aleatoriamente e nota que o e-mail é o décimo quarto recebido naquele dia. De quem é mais provável que essa conta de e-mail seja?

Existem outros exemplos planejados para fortalecer os numerosos pontos fracos do argumento do Apocalipse. Alguns deles podem ser remediados mas alguns, na minha opinião, não podem. Que um homem pré-histórico (que por algum motivo entende o teorema de probabilidades de Bayes) poderia elaborar o mesmo argumento sobre uma extinção relativamente iminente é uma objeção que deve ser pelo menos lembrada. Inferências e suposições sobre seres humanos futuros e seus comportamentos são ainda mais problemáticos.

Embora não haja dúvida de tempo suficiente para aprender mais sobre o argumento do Juízo Final e seus usos duvidosos do assim chamado princípio antrópico na filosofia, cosmologia e mesmo no dia a dia, o famoso conselho existencial de Ralph Waldo Emerson permanece válido: “Nenhum homem aprendeu nada até o exato momento que sabe que todo dia é o Apocalipse”.

De qualquer modo, continue sintonizado.

Um comentário:

  1. Murilo Ferraz,
    Já fiz um comentário no primeiro capítulo. Agora gostaria de fazer uma observação em sua tradução (ou no original), onde está dito que Voltaire disse: “Observe, por exemplo, que o nariz é formado para os óculos”. Claramente, alguma coisa deve explicar esse “encaixe”.
    Para fazermos justiça ao Voltaire, que parecia ser um agnóstico, na verdade quem está dizendo essa frase dos óculos é o personagem Pangloss, que Voltaire criou. Já foi mencionado que esse Pangloos era uma espécie de caricatura de Leibnitz que, a despeito de sua genialidade no cálculo diferencial/integral, era um crente da Causa Cosmológica aqui referida.
    Assis Utsch (autor de O Garoto Que Queria Ser Deus)

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